Eduardo Cunha na CCJ (Foto: Reprodução)
O empresário Júlio Camargo, um dos delatores da Operação Lava Jato,
afirmou em depoimento dentro de ação penal contra o deputado federal
Eduardo Cunha, que
está afastado de seu mandato, que foi coagido, extorquido e chantageado pelo parlamentar "de maneira muito elegante".
Ao ser perguntado sobre o motivo de, em seu primeiro depoimento na
delação premiada, não ter citado o envolvimento de Cunha com
irregularidades e posteriormente ter mudado a versão, Júlio Camargo
respondeu que tinha "medo".
"Simplesmente um fator: medo, receio. Toda pessoa que é razoavelmente
inteligente ou não é demente tem que ter [medo]. E o meu medo, o meu
receio, não era físico, o meu receio era de uma pessoa poderosa,
agressiva, impetuante (sic) na sua cobrança, contra minha família e meus
negócios e das minhas representadas. A pessoa que se apresenta dessa
maneira, que me coage, me extorque, me chantageia de maneira muito
elegante. Porém, foi exatamente isso que aconteceu, nesses termos que
estou usando: ou você paga ou vou te buscar. De novo, não é ameaça
física", disse Camargo após uma pergunta do representante do Ministério
Público.
O depoimento, ao qual a TV Globo teve acesso, foi dado na última
segunda-feira (8), em São Paulo. Foi mais um dos depoimentos das
testemunhas de acusação, indicadas pela Procuradoria Geral da República,
em uma das duas ações penais nas quais Cunha é réu e que estão em
andamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
No processo, Eduardo Cunha é acusado de
receber ao menos US$ 5 milhões em dinheiro desviado
de contrato de navios-sonda da Petrobras. O primeiro depoimento
coletado no processo foi no fim de julho do doleiro Alberto Youssef,
também colaborador da Lava Jato, que
confirmou ter ouvido que Cunha seria destinatário de propina.
Depois de Youssef, outros delatores também prestaram depoimento no
processo, entre eles os ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Paulo
Roberto Costa, além do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano. Os
depoimentos foram conduzidos pelo juiz Paulo Marcos de Farias, que atua
no gabinete do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF.
Outro lado
O advogado Ticiano Figueiredo, que defende
Eduardo Cunha, afirmou que “estão muito claras as contradições existentes” nas delações das testemunhas de acusação.
Segundo ele, Júlio Camargo admite que recebeu toda a propina referente
às sondas e que Eduardo Cunha não teve participação na contratação das
sondas. “Pelo que se vê nos depoimentos, Júlio Camargo recebeu, não
repassou para
Fernando Baiano
e para quem mais tinha combinado de passar. Ficou claro que Eduardo
Cunha não tem nada a ver com essa negociação”, disse Ticiano Figueiredo.
Conforme o advogado, a reunião em que Eduardo Cunha teria cobrado
pessoalmente Júlio Camargo não existiu. “Para o tal encontro que teria
ocorrido ninguém consegue apresentar provas, muito menos dar uma versão
coincidente. Trata-se de criação mental dos colaboradores e da
acusação.”
Ticiano Figueiredo completa que Júlio Camargo deveria voltar para a
prisão e destacou que as contradições são uma “desmoralização da
Operação Lava Jato”.
“O tratamento que deveria ser dado ao Júlio Camargo e outros delatores,
principalmente a Júlio Camargo, é o mesmo dado a Fernando Moura
(delator que admitiu mentir na delação e voltou para prisão). Deveria
ser revogada a delação e ele ser preso, diante de contradições
inequívocas e flagrantes. Essas contradições de Júlio Camargo, dentro de
um mesmo depoimento, em se mantendo a colaboração, é uma desmoralização
da Operação Lava Jato”, frisou o advogado.
Julio Camargo
Ao prestar depoimento, Júlio Camargo relatou que pediu ajuda de
Fernando Baiano para obter para a empresa que representava, a Samsung
Heavy Industries, contratos para fornecimento de sondas para a
Petrobras. Segundo relatou, teria direito a uma comissão de US$ 53
milhões, e repassaria R$ 35 milhões para Fernando Baiano, que o ajudou a
fechar o negócio.
Segundo o empresário, a empresa parou de repassar a comissão e a
propina deixou de ser paga. Foi quando Fernando Baiano o avisou que
Eduardo Cunha usaria requerimentos no Congresso, pedindo apuração sobre
atuação de Júlio Camargo e das empresas que representava, para
pressionar pela retomada dos pagamentos. Conforme a denúncia, o
requerimento foi apresentado pela então deputada Solange Almeida.
Júlio Camargo confirmou os termos da delação premiada de que chegou a
buscar ajuda do então ministro de Minas e Energia Edison Lobão, mas que
ouviu de Fernando Baiano que não adiantaria. "Não me lembro se Fernando
me procura ou se eu procuro para narrar esse encontro com Lobão. Ele
disse 'não adianta nada. Enquanto você não pagar, o Eduardo Cunha vai te
perseguir. Até você pagar. Não adianta procurar Lobão, presidente Lula,
você precisa pagar o que você deve'", relatou o empresário.
O empresário contou ainda que encontrou diretamente com Eduardo Cunha
para explicar que havia deixado de receber as comissões. Mas que Eduardo
Cunha contou que precisava receber porque tinha uma "folha de pagamento
de 260 deputados que ele tinha que manter".
"Eu não tinha tido o prazer de conhecer Eduardo Cunha. Mas era uma
pessoa que todos me reportavam parceira amiga, mas quando tem que
cobrar é duro e agressivo. Já esclareci que não sob o ponto de vista
físico, mas de persuasão, dada sua força política, não só dele mas de
sua base. E que, conforme ele falou, ele tinha uma folha de pagamentos
de 260 deputados que ele tinha que manter", disse Camargo.
Depoimentos no Rio de Janeiro
No dia 1º de agosto, prestaram depoimento Fernando Baiano, Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa.
Eduardo Cunha foi até o local acompanhar os depoimentos.
Fernando Baiano relatou que Eduardo Cunha pediu ajuda para obter
doações eleitorais e que ele sugeriu que, caso o deputado ajudasse na
cobrança junto a Júlio Camargo, ele poderia ajudar.
"Eu conversei com o deputado sobre essa dificuldade que eu tinha de
receber do Júlio Camargo e aí comentei com ele. Se tivesse uma forma
dele me ajudar a receber esse valor, eu poderia contribuir pra
campanha.[...] Ele me autorizou a usar o nome dele e foi assim que eu
comecei a cobrança e que o deputado apareceu nessa história", contou
Baiano. Inicialmente, Cunha receberia 20% do valor, mas depois isso
subiu para metade dinheiro que faltava ser pagos.
Fernando Baiano contou que Eduardo Cunha ficou de pensar numa
estratégia e citou os requerimentos, e então foi retomada a pressão a
Júlio Camargo.
Os valores da "dívida" que Júlio Camargo tinha variam de acordo com o
delator. Segundo o próprio Júlio Camargo, eram R$ 12 milhões, mas ele só
pagaria R$ 10 milhões. Fernando Baiano fala em R$ 16 milhões. Já
segundo Nestor Cerveró, o valor devido era de R$ 18 milhões. "Para mim e
para todos os integrantes que faziam parte do recebimento, ele nunca
pagou os R$ 18 milhões para gente", disse Cerveró no depoimento que deu
no Rio de Janeiro dentro da ação penal que corre no Supremo.
Já Paulo Roberto Costa, disse que ouviu de Fernando Baiano que Júlio
Camargo devia valores, mas negou ter conhecimento do envolvimento direto
de Cunha.
"Se não me falha a memória, o Fernando, acho que uma vez mencionou que o
Júlio estava devendo alguns valores aí e que seria bom pressioná-lo pra
ele fazer esse pagamento e se acontecesse o pagamento o Fernando ia me
repassar algum valor desse pagamento. Se não me falha a memória, teve
essa conversa. Agora, se ele repassou ou não repassou, eu não me
recordo", afirmou.
Testemunhas de defesa
No próximo dia 22 de agosto será realizado o depoimento de mais uma
testemunha de acusação, o empresário Leonardo Meirelles, que também
relatou repasses a Cunha na delação premiada. Depois disso, será
iniciada a fase dos depoimentos de testemunhas de defesa dentro do
processo.
O deputado Eduardo Cunha indicou 29 nomes como testemunhas, entre eles o
ex-ministro Edison Lobão e diversos deputados federais, como Carlos
Sampaio, Hugo Motta, Washington Reis, Mauro Lopes, José Saraiva Felipe,
além de Gabriel Chalita, candidato a vice-prefeito de São Paulo.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, está previsto para ser votado
no plenário no próximo dia 12 de setembro o processo que pede a cassação
do mandato de Cunha. Ele é alvo de processo por quebra de decoro
parlamentar sob a acusação de ter mentido à CPI da Petrobras sobre a
existência de contas em seu nome no exterior.