sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Aluna encara 3 h de transporte e 11 h de estudos por dia


Ana Carolina Moreno e Vanessa FajardoDo G1, em São Paulo
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Ainda é madrugada quando a adolescente Cássia Oliveira de Lima, de 17 anos, sai de casa para ir à escola. Ela mora na Brasilândia, um bairro de classe média baixa da Zona Norte de São Paulo, e estuda no Colégio Bandeirantes, no Paraíso, na Zona Sul, uma das escolas particulares mais tradicionais e de ensino rigoroso da capital paulista, com mensalidades acima de R$ 2 mil e presença entre as cinco melhores da cidade no Enem do ano passado. Cássia ganhou bolsa de estudos quando era aluna da rede pública, graças às boas notas, e por isso não paga a escola. Ela está na turma de exatas do terceiro ano que reúne os alunos com as notas mais altas do colégio.
Veja ao lado entrevista com a estudante que fará a prova da Fuvest
A rotina da jovem inclui três horas de transporte coletivo (ônibus mais metrô) para percorrer 20 km na ida e mais 20 km na volta da escola e mais 11 horas diárias de estudos, sendo cinco horas de aulas de revisão de conteúdo no colégio e mais seis horas fazendo exercícios e revendo as apostilas em casa. Tudo para alcançar o objetivo de conseguir uma vaga no curso de engenharia química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e quem  sabe, no futuro, trabalhar na Petrobras. Para isso, terá de passar no vestibular da Fuvest. A prova da primeira fase será neste domingo (24) a partir das 13h.
Mais de 172 mil estudantes estão inscritos para o vestibular. Para mostrar a rotina de um vestibulando às vésperas da primeira fase, o G1acompanhou o dia de estudos de Cássia na última terça-feira. Para ela chegar à aula que começa às 7h, precisa acordar às 4h30, sair de casa às 5h e pegar ônibus e metrô. A jovem chega ao colégio alguns minutos depois de o sol nascer para uma das últimas aulas de revisão antes da primeira fase do vestibular. Para cumprir os horários e dar conta dos afazeres, Cássia segue uma vida regrada com horários quase cronometrados.
Cássia sai de casa ainda de madrugada na Zona Norte de São Paulo, pega ônibus metrô até o colégio que fica na Zona Sul, depois volta para casa para estudar até a noite (Foto: Caio Kenji/G1)Cássia sai de casa ainda de madrugada na Zona
Norte de São Paulo, pega ônibus metrô até o
colégio que fica na Zona Sul, depois volta para
casa para estudar até a noite (Foto: Caio Kenji/G1)
Cássia é filha de uma professora de rede pública e de um segurança noturno, e estuda em um dos colégios particulares mais tradicionais de São Paulo desde o último ano do ensino fundamental, quando ganhou uma bolsa de estudos do Instituto Ismart. A jovem desde cedo mostrou interesse em aprender. "Desde a quinta série os professores me pediam para colocá-la em uma escola particular", conta a mãe Luzinete, que até hoje não sabe precisar os motivos pelos quais a filha tem desempenho acadêmico tão bom.
Cássia nunca havia andado de transporte coletivo sozinha antes de começar o curso preparativo que a ONG oferece a alunos com alto potencial selecionados para o programa. "No primeiro ano eu ia buscá-la no metrô", conta a mãe. Hoje, porém, a jovem já se locomove com independência para ir e voltar das aulas que, até outubro, ainda eram em período integral. Desde o início do mês, os formandos do ensino médio usam o tempo para revisar a matéria, com foco específico para a Fuvest.
Atualmente, em vez de estar em sala de aula entre as 7h e as 18h30, parando para o almoço e dois intervalos, ela agora tem aulas das 7h às 12h30 e, depois de almoçar no colégio, segue para casa, onde estuda até as 20h. "Prefiro estudar no meu quarto sozinha. A biblioteca é um pouco barulhenta, e preciso de silêncio para me concentrar", explica a jovem.
Foco no vestibular
O Bandeirantes tem, no período matutino, seis aulas de 50 minutos cada, das quais a turma de Cássia participa em uma sala quadrada com paredes, lousa e carteiras brancas, cadeiras de madeira, teto como forro anti-ruído e janelas no alto da parede, de onde não é possível ver o que acontece do lado de fora.
"Como passamos quase a vida toda aqui, nós fizemos uma decoração", afirma a jovem, mostrando cartazes pregados na parede onde cada aluno colou uma foto sua na infância, dispostos na parede como se fossem balas saindo de um saco de guloseimas chamado "nerds" – uma referência ao fato de esses estudantes terem sido os que tiraram as notas mais altas em 2012 entre os alunos das cinco turmas de exatas do segundo ano. O colégio tem ainda cinco turmas de ciências biológicas e três de humanas, com uma média de 45 alunos por turma.
Depois de encarar uma viagem de duas horas entre ônibus e metrô, Cássia chega em casa por volta das 15h. Ela dá uma pequena pausa e logo já retoma os estudos na escrivaninha montada no quarto. A adolescente não se queixa da rotina pesada, está sempre sorrindo, conta com humor da vez que tomou chuva na volta para casa e chegou encharcada e diz que é grata pela oportunidade de estudar em um colégio de boa qualidade. Quando ainda estava no ensino fundamental tinha a preocupação de ter de cursar o ensino médio na rede pública e ter poucas chances de entrar em uma faculdade pública.
Cássia costuma estudar os mesmos conteúdos das aulas de revisão do dia treinando com exercícios até as 21h30, quando se prepara para dormir. Duas vezes por semana, muda a tática refazendo vestibulares do passado. Foi assim com a Unicamp e com a Unesp, e agora com a Fuvest. A vestibulanda responde as questões das provas anteriores e cronometra o tempo simulando uma situação real. Agora o desafio é controlar o nervosismo.
Fuvest em primeiro lugar
No último bimestre do ano, para priorizar a revisão pré-vestibular, o colégio "aliviou" a vida dos estudantes do terceiro ano e só promoveu uma semana de provas bimestrais, ao contrário das duas usuais. Segundo Cássia, em vez de aplicarem uma prova só de química orgânica e outra de físico-química, as matérias foram reunidas em um só exame. O mesmo aconteceu, por exemplo, com as matérias de história geral e história do Brasil.
No terceiro ano, os alunos também recebem menos projetos especiais, e focam mais no aprendizado tradicional, com aulas, exercícios e provas. Duas vezes por bimestre, os alunos realizam simulados da Fuvest aos sábados. No segundo semestre, um deles seguiu o padrão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), embora Cássia admita que "o Enem não é muito popular no colégio".
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Seria impossível não ficar nervosa na prova da Fuvest, mas estou tentando me controlar. Na Unicamp errei algumas bobagens, na Unesp já melhorei. Foi bom ter feito estas provas antes"
Cássia de Oliveira Lima,
estudante
Ela diz que, quando fez o vestibulinho para estudar no Bandeirantes, ficou tão nervosa que acabou chorando durante a prova. Hoje, ela diz que já aprendeu a controlar os nervos. Seu desempenho nos vestibulares da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), realizados nos dias 10 e 17 de novembro, também a deixou mais tranquila. No primeiro, ela acertou 40 de 48 questões, mas não sabe como foi nas provas de redação. Das 90 questões objetivas da Unesp, Cássia afirma ter acertado 77.
"Seria impossível não ficar nervosa na prova da Fuvest, mas estou tentando me controlar. Na Unicamp errei algumas bobagens, na Unesp já melhorei. Foi bom ter feito estas provas antes", diz.
Cássia faz provas anteriores da Fuvest para reforçar o conteúdo (Foto: Caio Kenji/G1)Cássia faz provas anteriores da Fuvest para
reforçar  o conteúdo (Foto: Caio Kenji/G1)
Mesmo assim, ela ainda demonstra uma ansiedade típica, como aponta uma de suas professoras, Márcia Abdo. Depois de anos dando aulas de geografia para a adolescente, Márcia diz não ter dúvidas de que Cássia será aprovada na Fuvest, principalmente por causa de sua "dedicação impressionante". "Você fala e ela anota, anota, anota, na apostila e no caderno. Tem post-it colado em todo lugar."
A adolescente não pretende parar de estudar nem na véspera da prova da Fuvest. Não quer desfocar ou perder o ritmo. A maior cobrança pela aprovação é dela mesma. Com a formação em engenharia química, pretende trabalhar nas áreas de combustível ou saneamento básico. "Quero que meu trabalho ajude a melhorar algo na sociedade. Acho que todo mundo precisa de um sentido na vida, que seja algo que traga valor para sua vida e para a dos outros."
Se passar em um dos vestibulares, Cássia passa a receber um salário mínimo por mês do Ismart para custear despesas. Se não passar, perde o vínculo com a ONG.
Cássia tem uma foto dela quando criança em um painel colado na parede de sua classe (Foto: Caio Kenji/G1)Cássia tem uma foto dela quando criança em um painel colado na parede da classe (Foto: Caio Kenji/G1)

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