Primeiros casos da
doença no Brasil foram registrados no Rio, em 1986, e traziam as mesmas
incertezas hoje apresentadas pelo zika
Em 1987, recifenses passaram pela primeira epidemia de dengue na cidade
Foto: Alexandre Gondim / JC Imagem
Ao redor de uma fábrica no bairro da Estância, Zona Oeste do Recife, um mutirão de caça ao Aedes aegypti
encontrou mais de 100 focos do mosquito. Esse cenário poderia muito bem
ter sido registrado nesta época de tríplice epidemia (dengue,
chicungunha e zika), mas aconteceu em 1987, quando recifenses assistiram
à primeira epidemia de dengue. Um ano antes, o surto da doença já havia
assustado o Rio de Janeiro. Essa história é contada pela virologista
Marli Tenório, pesquisadora do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães,
unidade da Fiocruz em Pernambuco. Foi ela quem fez o isolamento viral
dos primeiros casos de dengue no Estado.
Passadas três décadas, a missão se repete: Marli isola zika em bebês
nascidos com microcefalia, em 2015, em Pernambuco (em 97% deles se
encontrou o vírus). O registro foi publicado na revista The Lancet
em abril, quando se completou um ano da confirmação da transmissão
interna do zika no Brasil. “Como acontece hoje com o zika, as incertezas
também existiam quando a dengue surgiu. Com zika, o desafio foi
terrível porque, como imaginaríamos que um vírus que não tinha nas
Américas, apareceria aqui de repente? É tudo inusitado”, relata Marli,
que destaca a agilidade da Superintendência de Campanhas de Saúde
Pública (Sucam) para fazer o combate ao mosquito em 1987, logo após a
ditadura militar.
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“A Sucam fazia bloqueios em Palmares (Zona da Mata Sul), município
situado no limite com Alagoas, que teve casos de dengue antes de
Pernambuco. No porta-malas dos carros, era colocado inseticida antes de
se entrar em território pernambucano”, lembra Marli. Segundo ela, o
controle foi essencial para fazer com que o período de 1988 a 1994 fosse
marcado pela ausência de registros de dengue no Estado.
Em 1995, contudo, desponta a segunda epidemia em Pernambuco e, no ano
seguinte, surgem os primeiros casos de dengue hemorrágica. Em 1997, a
doença faz complicações neurológicas, as mesmas relatadas atualmente
após quadros de chicungunha e zika, como meningoencefalite e síndrome de
Guillain-Barré. Mas foi em 2002 que o Estado passou por uma epidemia
explosiva, com a entrada de mais um vilão: o sorotipo 3 da dengue,
responsável pela notificação de 116 mil casos. Foi o sorotipo 3 da
dengue que surpreendeu o médico Carlos Brito durante produção da sua
tese de doutorado em 2007.
Naquele ano, ele também precisou cuidar do seu próprio adoecimento: a
dengue que se complicou. “A forma grave, se bem tratada, proporciona
risco pequeno de morte. Por outro lado, em 1% dos casos, há evolução
para o óbito, mesmo quando fazemos tudo o que podemos. Então, fiquei
angustiado”, relembra Brito.
Na mesma época em que ele teve dengue, sua filha Luíza, hoje com 15
anos, também adoeceu pelo vírus. “As arboviroses são democráticas”, diz o
médico, cuja esposa, a pediatra Rita Moraes, também foi acometida pela
dengue, mas uma década antes, em 1997, quando estava grávida da filha do
meio, Marina, 18. “Rita não teve complicações”, conta o médico. “A
doença mostrou que sempre que um vírus transmitido por mosquito entrar
no Brasil, haverá acometimento de maneira uniforme em todo o território.
Em um ano, o zika já está em todas as unidades federativas. Com mais
três anos, teremos para chicungunha e zika, o cenário semelhante à
dengue, com toda a extensão do País atingida igualmente pelos novos
vírus”, alerta Brito.
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