domingo, 20 de março de 2016

Sergio Moro, um ilustríssimo desconhecido



Tímido por natureza, desde que começou a trabalhar na Lava Jato, Moro se fechou ainda mais /  Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Tímido por natureza, desde que começou a trabalhar na Lava Jato, Moro se fechou ainda mais

Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Rogério Galindo

CURITIBA – Milhões de brasileiros ouvem o nome “Sergio Moro” todos os dias na TV e no rádio, leem sobre ele nos jornais e na internet. É fácil associá-lo à Lava Jato. Mas para a imensa maioria ele não passa disso, um nome: sem rosto, sem voz, sem passado e sem personalidade. Essa história é contada pelo repórterRogério Galindo que edita o Blog Caixa Zero da Gazeta do Povo do Paraná
Tímido por natureza, desde que começou a trabalhar na Lava Jato, Moro se fechou ainda mais. Não dá entrevistas há mais de um ano. Aos amigos, pediu que não deem informações sobre ele, até por prudência: alguém que está mandando prender empreiteiros, gente ligada à maior estatal do País, políticos e doleiros tem razão para não querer que se diga onde mora ou detalhes de sua rotina (o que será respeitado nesses textos). Durante o tempo em que este perfil foi escrito, Moro falou uma única vez com a reportagem: para dizer que não se pronunciaria.
Mas para muita gente Moro é bem mais do que o nome na TV. Para os funcionários da Justiça Federal, é o sujeito pacato que até pouco tempo atrás ia de bicicleta trabalhar. Para os alunos da UFPR, é o professor que ensina sobre lavagem de dinheiro e que mesmo durante a Lava Jato não se atrasa para a aula. 
Para os advogados, é osso duro de roer. Para os amigos, é o são-paulino que gosta de vinho e charutos. Para dona Odete, é o filho que saiu cedo de casa para ser juiz. Para Rosângela e os filhos, é o pai de família com dois empregos que passa as férias em Santa Catarina.

Linha dura desde cedo

Ser juiz e decidir coisas fundamentais sobre a vida alheia aos 24 anos pode ser intimidador. Mas os relatos sobre os primeiros tempos de Moro como juiz federal não fazem parecer que ele se deixou intimidar. A “linha dura”, de que hoje reclamam os advogados da Lava Jato, vem da vara previdenciária em que ele começou.
Em 1996, não era comum o uso da tutela antecipada – um tipo de liminar que pode favorecer, por exemplo, alguém que está pedindo algo ao governo. A lei era recente e os advogados não estavam acostumados a pedir. Moro, visto pelos procuradores do INSS como “pró-velhinhos”, passou a perguntar nos autos se haveria interesse em fazer a solicitação.
No INSS, houve choro e ranger de dentes. Pediu-se a suspeição de Moro, já que ele não poderia fazer sugestão às partes. Ele levou o caso ao Tribunal Regional Federal, que lhe deu razão. A partir daí, sempre que o INSS questionava seus despachos lembrando a existência da tutela antecipada, Moro tascava a decisão do tribunal e perguntava se o procurador queria continuar com o pedido de suspeição, mesmo sabendo de possíveis consequências processuais. No INSS, isso foi visto como ameaça e os procuradores pediram uma correição parcial de Moro.
A situação era difícil porque, numa vara previdenciária, o juiz só trabalha com o INSS. Se o INSS o considera suspeito, como pode ficar lá? Ao fim e ao cabo, Moro não precisou lidar com o problema. Acabou tendo sua primeira transferência, para Cascavel. Lá, a fama de juiz durão prosseguiria com o caso das contas CC5.
Processo CC5
O processo da CC5, que analisava remessas ilícitas de dinheiro para o exterior, foi a primeira grande experiência de Moro com o crime do colarinho branco. O Ministério Público pediu uma quebra de sigilo gigantesca, de todas as contas usadas para esse tipo de remessa. E os promotores só tinham elogios para o jovem juiz, de 26 anos, que assumiu o processo.
“O Sergio é um juiz fantástico”, diz o promotor do caso, Celso Três. “É um cara que realmente faz o processo andar. Às vezes eu brincava, dizendo que com um juiz desse nem precisava de promotor”, diz. A frase de Celso Três faz lembrar o tom dos acusadores de Moro. O resumo da acusação cabe na frase de um desafeto: “Com o Moro, o jogo já começa sempre dois a um: é ele e o MP contra o acusado”.
O próprio Celso Três diz que não é assim. “É que no Brasil tem muito juiz que trava o processo. Ele não. E não cerceia a defesa, que tem o direito de recorrer ao Supremo, se for o caso. Agora, se o juiz mata tudo na primeira instância, a gente não tem a quem recorrer”, diz.
Seja como for, o resultado do caso Banestado e das contas CC5 desanimou Moro. Em 2009, já tendo saído de Cascavel, passado por Joinville e subido a serra de volta para Curitiba, ele escreveu um e-mail para amigos. “Quanto aos crimes de colarinho branco, o custo e o desgaste não valem o resultado. Se prende-se, se solta. Se não prende, prescreve pelo tempo entre eventual condenação e início da execução da pena.”

Professor disputado

Duas vezes por semana, Sergio Moro sobe a escadaria da UFPR para suas aulas. O ritual se repete desde 2007, quando passou em segundo lugar no concurso para o Departamento de Direito Penal. Lá, dá uma disciplina obrigatória para o último ano e, neste semestre, uma optativa sobre... lavagem de dinheiro. Evidente: a sala lota. 
E Moro não costuma decepcionar os alunos. Mesmo em meio à Lava Jato, não falta e, segundo os alunos, só uma vez se atrasou no semestre. Visto como professor tranquilo, dá mostras de bom humor. Na política interna, se abstém de disputar cargos e até foge de votar (se não se pronuncia em público nem sobre os partidos da faculdade, imagine sobre PT e PSDB...).
Entre os professores, está longe de ter a mesma unanimidade. Para alguns, Moro foi atacado pela “juizite”. Houvesse um dicionário de advogados a doença seria definida como o mal que ataca os magistrados, tornando-os arrogantes e de difícil trato. “Nem no cafezinho ele se mistura”, diz uma professora. “Nunca conversa com ninguém”, diz outro. 
Há quem o defenda. “Não tem juizite nenhuma. A vida da gente é corrida, ninguém fica lá matando tempo depois da aula”, diz o professor João Gualberto Garcez Ramos.
O modo como muitos olham para Moro dentro da UFPR tem a ver com um processo em que ele não era juiz, e sim parte autor. Convidado para ser juiz instrutor do Supremo Tribunal Federal durante o mensalão, Moro pediu para acumular todas as aulas numa só noite. Uma portaria proibia isso. O juiz, ao ouvir a resposta, não só não gostou como entrou com um processo para conseguir o que queria. Perdeu.
Para quem vê de fora, parece ter havido mais um problema de comunicação e de diplomacia. O problema acabou sendo resolvido de uma forma ou de outra. Mas ficaram as mágoas. Moro quis mostrar a importância de um professor da casa ir ao STF. Para muitos colegas, soou arrogante. Juizite? Depende de quem vê. 

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