Segundo o procurador, Lula recebeu R$ 3,7 milhões em propinas da OAS.
Bibiana Dionísio, Isabela Camargo
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou nesta quarta-feira (14) o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a mulher dele, Marisa Letícia, e
mais seis pessoas no âmbito da Operação Lava Jato. O procurador Deltan
Dallagnol afirmou que, segundo provas do MPF, Lula era o "comandante
máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato"
A denúncia abrange três contratos da OAS com a Petrobras e diz que R$
3,7 milhões em propinas foram pagas a Lula. Os crimes imputados aos
denunciados são corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. Caberá à
Justiça decidir se eles se tornarão réus.
O MPF pede a indenização de R$ 87,6 milhões, que deve ser paga pela OAS
e também por Lula, além de R$ 58,4 milhões, a serem pagos por Léo
Pinheiro, ex-presidente da OAS, e Agenor Franklin Magalhães Medeiros,
ex-executivo da OAS (veja trecho da denúncia ao final da reportagem).
Segundo o procurador, Lula recebeu propinas de forma dissimulada, por
meio da reserva e reforma de um apartamento triplex em Guarujá, no
litoral de São Paulo, e do custeio do armazenamento de seus bens.
Dallagnol afirmou que há 14 conjuntos de evidência contra o
ex-presidente, que teria sido o "maior beneficiário do esquema".
A denúncia do MPF diz que todo o mega esquema envolve o valor de R$ 6,2
bilhões em propina, gerando à Petrobras um prejuízo estimado em R$ 42
bilhões.
Luiz Inácio Lula da Silva - ex-presidente - corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Marisa Letícia - mulher de Lula - lavagem de dinheiro
Léo Pinheiro - ex-presidente da OAS - corrupção ativa e lavagem de dinheiro
Paulo Gordilho - arquiteto e ex-executivo da OAS - lavagem de dinheiro
Paulo Okamotto - presidente do Instituto Lula - lavagem de dinheiro
Agenor Franklin Magalhães Medeiros - ex-executivo da OAS - corrupção ativa
Fábio Hori Yonamine - ex-presidente da OAS Investimentos - lavagem de dinheiro
Roberto Moreira Ferreira - ligado à OAS - lavagem de dinheiro
A força-tarefa da Lava Jato afirmou que deixou de denunciar Lula pelo
crime de organização criminosa porque este fato está em apuração no
Supremo Tribunal Federal (STF).
Em nota, os advogados de Lula disseram que o ex-presidente e sua mulher
"repudiam publica e veementemente a denúncia" do MPF, a qual chamaram
de "peça de ficção" e de "truque de ilusionismo" (veja a íntegra ao final da reportagem).
O texto assinado por Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira diz que
os procuradores não apresentaram provas concretas de que o casal tentou
esconder a propriedade do imóvel e que os recursos usados pela empresa
tiveram origem em desvios da Petrobras. Segundo eles, a coletiva de
imprensa violou as garantias de dignidade da pessoa humana e da
presunção da inocência. "O evento apresentou denúncia como uma
condenação antecipada aos envolvidos", afirma a nota.
Lula em reunião do PT em São Paulo (Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo)
'Propinocracia'
"O Petrolão era parte de um quadro muito maior", disse o procurador
procurador Deltan Dallagnol, que chamou o esquema de "propinocracia",
que seria um governo regido por propinas. Segundo ele, um cartel de
empreiteiras conseguia contratos com a Petrobras e pagava valores
indevidos a operadores financeiros, funcionários da estatal e políticos.
"No centro do núcleo político está o senhor Lula."
Sem o poder de decisão do Lula, este esquema seria impossível [...].
Lula era o maestro desta grande orquestra concatenada para saquear os
cofres da Petrobras e de outros órgãos públicos"
Deltan Dallagnol, procurador da MPF
“Mensalão e Lava Jato são duas faces de uma mesma moeda”. Segundo
Dallagnol, os dois são esquemas de corrupção foram desenvolvidos por um
mesmo governo para alcançar a governabilidade corrompida, perpetuar o PT
no poder de forma criminosa e promover o enriquecimento ilícito. "Desta
vez, Lula não pode dizer que não sabia de nada."
O procurador afirmou que Mensalão e Lava Jato dependiam de duas
máquinas para funcionar: uma máquina de governo, por causa das
nomeações, e uma máquina de partido, que coletava e adminstrava a
propina. "Lula era o elo comum e necessário para as duas máquinas que
faziam o esquema rodar."
"Todas as provas nos levam a crer, acima de qualquer dúvida razoável,
que Lula era o maestro desta grande orquestra concatenada para saquear
os cofres da Petrobras e de outros órgãos públicos. Era o general que
estava no comando da imensa engrenagem desse esquema, que chamamos de
propinocracia", disse Deltan Dallagnol.
O procurador afirmou que o Petrolão não estava restrito à Petrobras,
mas também envolvia a Eletrobras, os ministérios do Planejamento e da
Saúde, a Caixa Econômica, entre outros órgãos públicos. A Petrobras era a
"galinha dos ovos de ouro do esquema", segundo o procurador, pois a
estatal chegou a responder por 75% dos investimentos federais em
determinado momento.
Segundo ele, só era possível obter um cargo alto na Petrobras quem
aceitasse participar do esquema e receber propina. "A distribuição de
cargos no governo era feita, conscientemente, com fins arrecadatórios.
Quando Lula assumiu o governo em 2003, tinha apoio de 254 deputados.
Após adotar uma política de distribuição de cargos, que envolvia mais de
18 mil cargos de confiança, em maio de 2003, a base aliada era composta
por 353 deputados."
Há muitas evidências de que esse esquema era partidário, sendo gerenciado primordialmente pelo Partido dos Trabalhadores"
Deltan Dallagnol, procurador do MPF
"Só o poder de decisão de Lula fazia a estratégia de governabilidade
corrompida viável. Lula estava no topo da pirâmide do poder,
competindo-lhe nomear os altos cargos da administração pública federal.
[...] Sem o poder de decisão do Lula, este esquema seria impossível."
O procurador falou sobre o papel do ex-presidente na nomeação de
gerentes e diretores da Petrobras, como Paulo Roberto Costa, Nestor
Cerveró e Renato Duque, que foram presos na Lava Jato. "Lula nomeou
diretores para atender interesses do PP e do PMDB", afirmou.
"Há muitas evidências de que esse esquema era partidário, sendo
gerenciado primordialmente pelo Partido dos Trabalhadores", afirmou
Dallagnol, citando delatores do esquema, entre eles, Paulo Roberto Costa
e o doleiro Alberto Youssef.
O procurador falou sobre o enriquecimento ilícito de pessoas ligadas ao
PT, como o ex-ministro José Dirceu, que teria recebido R$ 15 milhões.
Com a saída de Dirceu do governo, segundo Dallagnol, a continuidade do
Mensalão (que virou Petrolão) só foi possível porque o ex-ministro não
era o líder – e sim alguém acima dele, o ex-presidente Lula.
Apartamento triplex
O procurador Roberson Pozzobon disse que o fato de Lula não figurar
como dono do apartamento de Guarujá é uma forma de dissimular a
verdadeira propriedade, o que configura lavagem de dinheiro.
Lula é efetivo proprietário no papel do apartamento. Pois, justamente,
o fato de ele não configurar como proprietários do triplex, da
cobertura em Guaruja, é uma forma de ocultação de dissimulação da
verdadeira propriedade"
Roberson Pozzobon, procurador do MPF
“Em se tratando de lavagem de dinheiro, ou seja, em se tratando de uma
tentativa de se manter as aparências de licitude, não teremos aqui
provas cabais de que Lula é efetivo proprietário no papel do
apartamento. Pois, justamente, o fato de ele não configurar como
proprietários do triplex, da cobertura em Guaruja, é uma forma de
ocultação de dissimulação da verdadeira propriedade”, afirmou Pozzobom.
Segundo ele, Lula e Marisa tinham comprado cotas do empreendimento da
Bancoop e, em 2009, pararam de pagar as parcelas do apartamento 131.
Naquela época, a OAS tinha assumido o empreendimento. A família, segundo
o procurador, tinha mudado para o apartamento 141. Depois, o MPF
encontrou um documento o número do imóvel rasurado. Segundo a perícia,
embaixo de 141 estava escrito 174, que era cobertura triplex. Pozzobon
disse que a cobertura nunca foi ofertada para venda.
"Eles [Lula e Marisa] receberam a cobertura em pagamento de propina.
Ela tem valor de R$ 1,5 milhão, e o valor que eles tinham pago, de 2005 a
2009, era de R$ 340 mil. Ou seja, eles receberam vantagens indevidas na
ordem de R$ 1,1 milhão."
O procurador Julio Noronha afirmou que a OAS realizou uma reforma no
apartamento, seguindo as interesses de Lula, conforme indicam mensagens
extraídas do celular de Léo Pinheiro. Segundo Noronha, a compra do
apartamento, a reforma e a decoração somaram mais de R$ 2,4 milhões.
Armazenamento de bens
A denúncia tem mais de 270 tópicos. Em parte dela, os procuradores
afirmam que a autoria de Lula fica evidenciada nos pagamentos feitos
pela construtora OAS em favor da Granero para armazenagem de parte dos
bens e pertences pessoais de Lula.
“Soma-se a isso o fato de que os pagamentos da armazenagem dos bens
pessoais pertencentes a Lula foi assumida por empresa que se beneficiou
diretamente dos ilícitos praticados em desfavor da Administração Pública
Federal, notadamente da Petrobras, e tinha uma dívida de propinas com
esquema de governo e partidário (era uma das empreiteiras cartelizadas).
Além disso, tal empreiteira era controlada por Léo Pinheiro, pessoa
muito próxima de Lula”.
De acordo com a Polícia Federal, a OAS pagou por cinco anos (entre 2011
e 2016) R$ 21,5 mil mensais para que bens do ex-presidente ficassem
guardados em depósito da empresa Granero. Os pagamentos totalizam R$ 1,3
milhão. Ainda segundo a PF, o montante corresponde a vantagens
indevidas pagas pela OAS em benefício de Lula.
Quanto a Paulo Okamotto, de acordo com os procuradores, também é
indiscutível a participação dele nas irregularidades. Foi ele que
solicitou à Granero o orçamento para armazenagem dos bens de Lula e,
posteriormente, firmou, na condição de presidente do Instituto Lula,
apenas contrato para armazenagem do acervo pessoal que necessitava de
depósito climatizado".