sexta-feira, 1 de julho de 2011

O homem que virou cachorro, Realidade ou ficção ?




O que é arte?
Se, conforme a máxima de Duchamp, “é arte tudo o que alguém chama de arte”, então tudo é arte e nada é arte, dependendo do ponto de vista de cada um.
Não há limites para a definição de arte nesses tempos pós-modernos. Na arte contemporânea, tudo é permitido; então, parafraseando Dostoiévsky, para a arte contemporânea Deus está morto.
A cada novidade da arte contemporânea, as pessoas comuns têm um ataque epiléptico. É compreensível. Se a arte moderna já as assustava, podemos esperar outra reação diante do que se vê hoje em dia?
O que perturba aos não-iniciados é que os seus referenciais tradicionalistas acerca do que seja arte estão sendo destruídos; se elas não entendem porquê um quadro cubista de Picasso é uma obra de arte, imagina ao se deparar com obras como a do artista plástico Rodrigo Braga, o homem que virou cachorro.




Rodrigo Braga é artista plástico!












Rodrigo Braga num sentido extra-moral

Ronaldo Entler [segunda-feira, 16/05/2011]




Rodrigo Braga, Mais força que o necessário, 2010
Na semana passada, Rodrigo Braga realizou uma palestra sobre seu trabalho em São Paulo. Uma fala calma, lúcida, em busca das palavras certas, que destoa da erupção de formas violentas que encontramos em seu trabalho. Isso foi uma surpresa? Não propriamente, mas evidenciou certa ansiedade que sua presença desperta.
A maioria de nós estava ali porque gosta de seu trabalho. Para alguns, gostar engloba também o reconhecimento de uma “verdade”: sabemos que a violência que fere nossos olhos, passou antes pelo corpo dele próprio. Naquele momento, esse mesmo corpo estava presente para expor uma suposta totalidade de sua performance, algo que as fotos não dão conta de mostrar. É sobre essa expectativa que quero falar. Existe uma crítica de arte dedicada às obras, existe também uma critica institucional, uma crítica de processo. O que faço aqui é algo como uma crítica de recepção, da relação que um público desenvolve com a obra e com o artista. Portanto, em certa medida, trata-se também de uma auto-crítica.
Rodrigo Braga é um artista. Não é um daqueles insanos que, segundo Foucault, o público pagava para ver dentro de jaulas, aos domingos, nos hospitais psiquiátricos da França.  E, ali, ele era um artista convidado para uma palestra, não para uma performance. Ele apresentou seu trabalho, falou de seu processo criativo, de sua formação, de como pensa a fotografia no contexto da arte contemporânea. Foi sempre comedido ao apresentar os conceitos em que se apoia, tanto quanto ao revelar o que de biográfico aparece em sua obra. Resistiu o quanto pôde (mas acabou vencido) à curiosidade sobre “o que o artista quer dizer”, e às demandas pelos “causos” dos bastidores. “O trabalho está aí”, lembrou ele algumas vezes, apontando para a projeção.

Rodrigo Braga. Comunhão, 2006
A história da arte nos ensinou a ler nas pistas deixadas pelas obras de gênios como Goya, Van Gogh ou Bispo do Rosário um pouco de suas alucinações cotidianas. Numa apresentação ao vivo de Rodrigo Braga, teríamos a oportunidade de assistir ao filme inteiro do qual seu trabalho seria apenas um trailer, poderíamos enxergar o extraquadro que as molduras acabam recortando. Como ele vive? Onde ele mora? O que ele come? Com quem ele anda?  Perguntas assim surgem inevitavelmente, afinal, se reconhecemos a sinceridade de suas imagens, tem de haver alguma continuidade entre o que está dentro e o que está fora delas.
Rodrigo Braga é um artista e lida com representações. Ele usou algumas vezes a expressão trompe l’oeil que, tradicionalmente, se refere à capacidade que algumas pinturas têm de pregar peças no olho. Então, trata-se de uma mentira? Mesmo historicamente, é algo mais complexo que isso: nenhuma pintura explorou e ao mesmo tempo expôs com tanta evidência (e, às vezes, didatismo) os artifícios da representação quanto aquela que foi chamada detrompe l’oeil. De modo geral, é uma pena que noções tão caras à arte como representação, mimesis ou ilusão se confundam com uma concepção moral de mentira, totalmente alheia ao juízo estético.
O trabalho de Rodrigo Braga dialoga sim com elementos de sua vida: conforme contou, ele cresceu em meio às pesquisas de seus pais biólogos, já experimentou momentos de angustia extrema, às vezes se cansa da rotina da cidade. Tudo isso aparece nas imagens. Mas existe também uma técnica: ele pesquisa seus materiais, escolhe suas locações, negocia as condições de trabalho, inventa títulos tão poéticos quanto densos, e dá palestras. O que são então aqueles momentos que vemos nas fotografias? Como disse, ele vivencia a força da natureza, incorpora os elementos que utiliza, sente prazer e dor. Mas também compõe o ambiente, dirige a cena, e opera o controle remoto da câmera. Parece contraditório? São coisas que a representação estética comporta.
Se a arte tem algo de verdadeiro, é exatamente o fato de assumir-se como representação. Segundo Nietzsche, o conhecimento – mesmo o da ciência – opera igualmente ilusões, só que lhes impõe regras de conduta e, portanto, um sentido moral que permite chamá-las de “verdade”: “as verdades são ilusões das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornam gastas e sem força sensível”. Tem a ver com uma “obrigação de mentir segundo uma convenção sólida, mentir em rebanho, em estilo obrigatório para todos” (Sobre verdade e mentira num sentido extra-moral, 1873). Quando o artista perturba essa ordem, há que se respeitar seu lugar, não se pode cobrar dele que transforme em regra de conduta ou em hábito rotineiro a experiência livre que constrói.
O maior problema aqui não é duvidar, mas acreditar demais. Quando nós, que tanto gostamos de seu trabalho, celebramos essa “verdade (num sentido moral), acabamos nos colocando ao lado daqueles que, também por acreditar demais, reclamam da sujeira, da dor e dos maus-tratos contra os animais.
O processo criativo de Rodrigo Braga implica, ao mesmo tempo, construção de analogias (metáforas) e transbordamentos (metonímias) daquilo que ele é. Não daquilo que ele é no dia a dia, mas de suas potências, aquilo que já lhe pertence e que só a arte pode revelar. Não se trata de “sublimação”. Para a psicanálise tradicional, a arte constitui uma forma de canalizar as pulsões para uma via de expressão socialmente aceitável (uma versão inconsciente do “eu podia estar matando, podia estar roubando, mas estou fazendo arte”). Suas representações não fazem esse tipo de concessão ao “socialmente aceitável”. Leituras psicanalíticas dedicadas às performances já acusaram os artistas de terem perdido essa boa medida da sublimação, em outras palavras, de terem passado da “representação” ao “ato”. De fato, o que Rodrigo Braga faz não é encenar aquilo que a sociedade não nos permite ser, mas revelar aquilo que invariavelmente também somos: matéria, corpo, carne, fluídos, natureza.

Rodrigo Braga, Desejo Eremita, 2009
O que ele registra com sua câmera tem a força de um ritual. E a narrativa mais legítima que se desprende dali não tem a ver com as histórias reais dos bastidores, nem com suas estratégias de fingimento. Tem a ver com uma mitologia construída pelas próprias imagens. Desejo Eremita não é a história de um artista cansado da cidade. É o mito de um homem que se confronta com a natureza em estado estranho, cru, fétido, viscoso, caótico (nada a ver com natureza doce e redentora dos ecologistas, que plantam árvores para salvar o planeta). Mitos são essa forma arcaica, sentida e poderosa de dar conta da realidade, diante da qual nossa moral também vê hoje duas possibilidades: ou os explica conforme as convenções da ciência ou os despreza como sinônimo de mentira.
A palestra terminou com o vídeo Mentira Repetida: num canto da floresta amazônica, Rodrigo Braga liga sua câmera de vídeo, coloca-se diante dela, e se põe a gritar repetidas vezes, até perder a voz e quase desfalecer. “Mentira repetida” e um titulo perigoso, porque remete à frase de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler (“uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”). Ora, a constatação de Goebbels é precisa, mas desvela tarde demais o método de suas atrocidades. A desgraça não é em si sua afirmação, mas o fato de ter sido sorrateiramente colocada em prática em nome de uma atitude moralizante: o resgate de uma verdade, de uma ordem, a construção de uma evolução social.
Nada a ver com o que faz Rodrigo Braga, que desvela a ilusão ao mesmo tempo em que nos convence de seu poder de representação: no começo, o grito é hesitante, porque seu corpo parece não encontrar motivo suficiente para se entregar. Mas alguma coisa acontece, ninguém percebe exatamente quando. Em algum momento, o grito falha mas, desta vez, porque sua angústia parece não encontrar um corpo com força suficiente para lhe dar expressão. Essa obra é o registro de uma expedição feita pelo artista, que o leva da civilização a um lugar distante e selvagem que é também ele mesmo (uma variação do que Nietzsche chamou de “chegar a ser aquilo que se é”). Sua “mentira repetida” se aproxima daquilo que observa Fernando Pessoa, quando diz em sua autopsicografia que “o poeta é um fingidor” (finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente).

E você, leitor, qual sua opinião sobre o trabalho de Rodrigo Braga e sobre toda essa polêmica?

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