terça-feira, 7 de abril de 2020

COVID-19: Festa pode ter espalhado vírus e matado três irmãos

 Adriany Santos 




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Um dia antes da festa, a responsável pelo evento, a servidora pública Vera Lúcia Pereira, havia completado 59 anos. O avanço do novo coronavírus quase fez a família desistir da comemoração. “Ficamos em dúvida, mas decidimos fazer, porque não eram tantos casos no país”, conta a aniversariante à BBC News Brasil.
Na data da comemoração, havia 98 casos do novo coronavírus confirmados no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Destes, 56 eram em São Paulo. Não havia nenhum caso confirmado em Itapecerica da Serra — atualmente há ao menos 11 e uma morte. No último dia 13, o isolamento social ainda era incipiente e as orientações referentes ao vírus eram quase totalmente voltadas à higienização das mãos. Dias depois, os Estados passariam a adotar medidas mais rigorosas.
A festa de Vera, realizada no quintal de sua casa, teve 28 convidados. O prato principal era o churrasco. Entre as pessoas que foram ao evento estavam os irmãos do marido dela, o servidor público Paulo Vieira, de 61 anos. “Também convidamos minhas irmãs e nossos sobrinhos. Foram apenas os parentes mais próximos, para evitar que viessem muitas pessoas”, diz Vera.
Nos dias seguintes ao evento, os familiares começaram a apresentar sintomas como tosse, febre, dificuldades para respirar ou diarreia — características associadas à covid-19. No grupo da família no WhatsApp, compartilharam suas dificuldades. A estimativa da família é de que metade dos convidados teve algum problema de saúde dias após a comemoração.
Pouco mais de duas semanas após o aniversário, a alegria deu lugar ao luto. Na semana passada, três irmãos da mesma família morreram com suspeita do novo coronavírus. Os exames ainda não ficaram prontos e não têm previsão para que sejam concluídos, em razão da grande demanda em todo o país.

Os irmãos Vieira

Unidos e adoráveis. Assim os parentes definem os irmãos Vieira. Eram sete. As reuniões em família eram momentos de extrema felicidade. “Nós vivíamos juntos. Tudo era motivo para que nos reuníssemos”, relata a aposentada Maria do Carmo Vieira, de 58 anos. Ela conta que o aniversário de Vera foi um momento em que ela e os seis irmãos aproveitaram para se reunir. “Estávamos há alguns dias sem nos ver, porque nem sempre era fácil reunir todos em um lugar”, comenta.
O aniversário no quintal da casa de Vera e Paulo foi o último evento que reuniu os sete irmãos Vieira.
Dois dias depois, Maria Salete, uma das três mulheres da família Vieira, começou a passar mal. A aposentada, de 60 anos, relatou aos irmãos que estava com diarreia intensa. “Depois, ela começou a ter febre, como se estivesse com alguma infecção. Eu e meu marido a levamos ao hospital, ela recebeu medicamentos e voltou para casa”, explica Maria do Carmo.
Diabética e hipertensa, a situação de Salete piorou com o passar dos dias. Depois dela, diversos familiares também relataram problemas de saúde. A maioria teve sintomas leves, que podem ser associados à covid-19. Nem todos, porém, necessitaram de ajuda médica.
“Estávamos fazendo as contas de relatos e pelo menos 14 pessoas que foram ao aniversário podem ter sido infectadas pelo coronavírus”, diz Maria do Carmo.
“Alguns ficaram debilitados, principalmente os mais velhos”, revela Vera, que teve febre, tosse e dores pelo corpo. Ela fez exames para a covid-19 há quase duas semanas, mas não ficaram prontos até o momento.
A princípio, os familiares não acreditaram que pudesse se tratar do novo coronavírus. “Ainda havia poucos registros no Brasil, então a gente achava que fosse algo distante”, afirma Maria do Carmo. Ela conta que nenhum familiar apresentou sintomas durante a festa, por isso não ficou claro quem pode ter transmitido o novo coronavírus. “Descobrir isso agora não vai mudar nada para a gente”, declara Carmo.
Eles passaram a cogitar a possibilidade de que a família pudesse ter sido infectada pelo Sars-Cov-2, como o vírus é conhecido oficialmente, somente uma semana depois dos primeiros sintomas dos parentes.
“Os casos começaram a aumentar em todo o país, principalmente São Paulo, e a gente percebeu que não era algo tão distante. E como os sintomas que muitos tiveram eram muito parecidos com os do coronavírus, passamos a entender que os meus irmãos, sobrinhos e familiares da Vera poderiam ter sido infectados”, diz Maria do Carmo.
O segundo irmão Vieira a apresentar quadro grave de covid-19 foi o mecânico Clóvis, de 62 anos. “Três dias depois da festa, o meu pai começou a tossir muito, teve dor de cabeça, febre e perdeu o olfato e o paladar”, explica o gerente de relacionamento Arthur Ribeiro, de 30 anos, filho caçula do idoso. A saúde de Clóvis, que não tinha comorbidades, também piorou com o passar dos dias.
Arthur conta que levou o pai a um hospital no dia 23 de março, quando os problemas pioraram. Os médicos receitaram alguns medicamentos e liberaram Clóvis. “Sequer cogitaram que pudesse ser coronavírus”, diz o rapaz, que também esteve no aniversário, teve sintomas de covid-19, mas não conseguiu fazer exames.
Salete passou mais de uma semana em casa. Ela tinha tosse, febre e dores em todo o corpo. “A médica tinha me dito que era para procurar novamente atendimento médico somente se ela tivesse falta de ar, porque seria um claro sinal de coronavírus”, diz Maria do Carmo, que é vizinha da irmã e a acompanhou desde os primeiros sintomas.
“A minha irmã não teve falta de ar, mas a situação piorou muito e a levamos para um hospital particular, da rede na qual ela trabalhava, na região do ABC Paulista”, relata Carmo. Mesmo aposentada, Salete trabalhava na área administrativa de uma operadora de saúde.

As suspeitas de coronavírus

A família acompanhava o quadro de saúde de Salete à distância, somente Maria do Carmo estava junto com a irmã. Ela foi internada na noite de 25 de março. Os médicos fizeram uma tomografia que apontou que 60% dos pulmões dela estavam comprometidos — uma característica associada à covid-19.
“Os médicos a entubaram e a colocaram em isolamento, porque disseram que era 99% de chance de ser covid-19”, relata Carmo. As irmãs se despediram, com o uso de máscaras. “Eu disse para a Salete que a filha dela estava bem e que iria ficar tudo bem. Falei para a minha irmã que as coisas iriam melhorar, mas depois dali a gente nunca mais se viu”, diz Carmo, em meio às lágrimas.
A internação de Salete na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) logo acendeu o alerta na família. Horas mais tarde, Clóvis foi levado para um hospital público em Itapecerica. “Ele estava em uma situação muito triste. O quadro de saúde dele piorou muito três dias depois que ele foi ao hospital. O meu pai estava completamente fraco e abatido, não conseguia comer e tinha muitas dificuldades para respirar. Quase não conseguia ficar em pé sozinho. Ele não deveria ter sido liberado pelos médicos na primeira vez em que procuramos ajuda”, diz Arthur.

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