terça-feira, 23 de agosto de 2022

Ossada em sítio arqueológico de Vertentes é objeto de pesquisa

 


O Furna dos Ossos, um sítio arqueológico em Vertentes, no Agreste de Pernambuco, abriga parte da pré-história através de ossos de indígenas que viviam naquela região em tempos passados. O local é palco de pesquisa através de escavações feitas em alguns períodos, e recentemente foi alvo de uma série de vandalismos e descaso. Agora, com a instalação de uma cerca protetora, assim como uma placa de sinalização nos moldes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), colocadas pela prefeitura da cidade, tenta retomar à condição de símbolo de preservação no estado.

Placa e cerca foram colocadas pela prefeitura de Vertentes, após cobrança para afastar vandalismo (Cortesia)

O doutor em arqueologia e professor do curso de história da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Flávio Moraes, de 42 anos, é um dos profissionais envolvidos no trabalho que busca revelar detalhes daquele povo. A existência do espaço, segundo ele, foi compartilhada por outros colegas de profissão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “É um sítio sob rocha onde começou a aparecer muito material ósseo humano. Tivemos conhecimento através de alguns colegas que são professores da UFPE”, disse de início.

Placa e cerca foram colocadas pela prefeitura de Vertentes, após cobrança para afastar vandalismo (Cortesia)

Um desses professores foi Sandro Guimarães, que ensina a disciplina de antropologia. Por meio de fotografias, ele “apresentou” o sítio a Flávio, e foi a partir daí que uma ação começou a ser pensada para a preservação da área.
“Ele falou comigo em Alagoas, porque sabia que minha área de pesquisa é voltada para sítios funerários. Sandro me apresentou as fotos do sítio e eu fiquei muito angustiado. A partir daí, demos início a uma ação para viabilizar as atividades de escavação para fazer o salvamento do espaço, e também para conhecer mais a história das práticas mortuárias desses povos que viveram aqui em tempos pré-históricos”, rememorou Flávio.
O arqueólogo, estudioso em meio a temas que envolvem sítios funerários, apontou os achados como pertencentes a indígenas, e a estrutura do local, com a presença de várias rochas, como um ambiente comum para receber atividades de sepultamento.
“Sabemos que esse material pertence a populações indígenas que provavelmente viveram aqui antes da chegada dos europeus. Essas características do local onde os ossos se encontram, que é um abrigo sob rocha, é recorrente nas práticas indígenas de sepultamento em regiões onde se dispõe de grandes afloramentos rochosos, como aqui em Vertentes”, explicou.
Alguns dos ossos encontrados tinham resquícios de cor avermelhada. O que simboliza, na crença daquele povo, parte de um ritual que tem mais de um sepultamento. 
“Identificamos também ossos com pigmentos vermelhos, que caracterizam um ritual secundário de sepultamento. Os indivíduos eram sepultados e depois da decomposição das partes moles, tinham os seus ossos retirados para um outro ritual, onde se colocava pigmento vermelho para a realização de um novo sepultamento”, complementou.
Escavação no local está prevista para ser concretizada em março do próximo ano (Cortesia)

A ossada estudada em Vertentes se divide em fragmentos de costelas, ilíaco (osso da região da bacia), escápula (osso abaixo dos ombros), úmero (osso do braço, sendo o maior entre os membros superiores), fêmur e outros. Além disso, também foram encontrados dentes felinos, que provavelmente são de onças.

Esse material, no entanto, vinha sendo afetado de forma negativa pela população que frequenta o sítio arqueológico da cidade. Registros de vandalismo e descaso são relatados num parecer técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional datado em 25 de junho de 2018. No ofício, consta a presença de ossos espalhados, pichações, embalagens de bebidas e comidas, ninho de insetos e vestígios de acampamento e fogueira, por exemplo.

Parecer técnico do IPHAN apontando problemáticas na região (1/2) (Reprodução)

Parecer técnico do IPHAN apontando problemáticas na região (2/2) (Reprodução)
“É uma área de visitação turística, onde não há controle de acesso e muitas pessoas não têm consciência nem conhecimento da importância desse material e acabam destruindo. Elas destroem também todo o contexto, que é o mais importante para a arqueologia. Estávamos com uma preocupação muito grande”, lamentou Flávio.
Escavações

O processo de escavação no Furna dos Ossos faz parte de uma pesquisa que tem parceria entre o do campus Caruaru da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o laboratório e museu de arqueologia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Esse trabalho é financiado através de uma emenda parlamentar do deputado federal Carlos Veras (PT).

O doutor Flávio Moraes detalhou o cronograma das escavações em Vertentes, indicando que atualmente ela está em seu começo. Ele revelou ainda que pensa, a longo prazo, em uma forma de inserir toda a comunidade na ação. O intuito maior disso, na sua visão, é não voltar a ver cenas de vandalismo e descaso em espaços históricos.
“A escavação está na sua fase inicial. Estamos programando uma ação para outubro, e já entrei em contato com escolas aqui do município, porque a nossa ideia é fazer uma ação intensa de educação patrimonial, juntando professores e alunos nesse primeiro momento. Depois, pensamos em expandir para todo o município, até para que a gente não veja mais esse tipo de situação como pichação e vandalismo nos sítios arqueológicos”, disse.
Sítio tem forte presença de rochas em sua composição; possíveis sepultamentos aconteciam no local (Cortesia)

Com a próxima etapa prevista para o mês de outubro, o desfecho das escavações deve acontecer apenas no primeiro trimestre do próximo ano. Mas outros processos terão que acontecer até a finalização do trabalho em solo pernambucano.
“A gente já agendou outra etapa entre os dias nove e 15 de outubro. Pelas características do sítio, acho que vamos ter de seis a oito etapas. A gente só deve terminar a escavação em março do ano que vem. Depois disso, ainda tem análise do material em laboratório, processamento de dados e relatórios. Vai correr o ano de 2023 todo até que a gente possa apresentar resultados consistentes”, alegou.
Importância histórica

A preservação do espaço é um fator indispensável para que o recorte histórico e a maneira de vida daquela época sejam desvendados. Hábitos como a separação de tarefas e até mesmo alguns tipos de doenças podem ser “lidos” através dos ossos.
“O local tem uma potencialidade fenomenal para explicar sobre o cotidiano desses grupos. Quando a gente estuda esse contexto de morte, a gente quer, na verdade, compreender o modo de vida desses povos, porque os ossos deixam muitas marcas daqueles indivíduos, como algumas patologias, preferências alimentares e também para saber se havia divisão entre os gêneros nas atividades desenvolvidas no grupo”, detalhou Flávio, por fim.
Da redação do Blog Vertentes Notícias
Com informações do Diário de Pernambuco

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